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Transformar pela arte e criar novas possiblidades: quando o trabalho é com o coração

​Por Cecília Caetano

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Pode-se dizer que essa foi uma das entrevistas mais emocionantes de que participei, quiçá a mais emocionante. Era uma conversa com Gisele e Débora, duas pessoas muito importantes para a Associação Clube Osquindô. Estávamos ali, naquela casa colorida do distrito de Passagem de Mariana, no número 625 da rua Eugenio E. Rapallo, sentadas uma de frente para a outra ao redor de uma mesa redonda de vidro. Ali meu celular havia sido posto para gravar nossa prosa, que me permitiria mergulhar em cada história contada por elas. No início da entrevista confesso que estava nervosa.

 

Elas são duas mulheres muito elegantes, bonitas e bem vestidas, e eu estava realizando, pela primeira vez, uma entrevista sozinha, sem a minha professora orientadora.  Diante delas, estava com medo de errar. Queria causar boa impressão. Mas elas foram tão maravilhosas e compreensivas que a conversa fluiu rapidamente, num estalo de dedos. Acredito também que essa deve ter sido a entrevista mais demorada que já fiz. E foi cheia de emoções, choros e histórias.

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Gisele e Débora são duas mulheres que carregam bagagem cultural e vivências invejáveis. Gisele é mais tímida. Logo de cara eu percebi o jeitinho retraído dela, que, no entanto, foi se soltando aos poucos, enquanto a conversa fluía. Natural de Governador Valadares e advogada, Giselle foi parar em Passagem em meados de 2010 com o plano de auxiliar a irmã – Josélia, a palhaça Jojoba do Espaço Lunática – com os contratos e documentações necessários para a regulamentação dos projetos que passavam a ser desenvolvidos pelo Osquindô.

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Depois disso, nunca mais foi embora. Antes, em Valadares, ela trabalhava em um escritório, mas já havia percebido que não era aquilo o que queria para a sua vida. Realizando as atividades que desenvolve hoje, junto com a equipe do Osquindô, Gisele fala com calma e leveza no olhar e na alma, revelando como, de fato, encontrou seu caminho. É a calmaria de alguém que sabe que está no lugar certo. “Aconteceu que vim para cá e me apaixonei pelo trabalho, pela cultura, pelo espaço”, diz ela, grata pelo grande envolvimento que estabeleceu com suas atividades a partir da mudança. “Além do trabalho, tem a questão de você se envolver e passar a acreditar no que está fazendo, atuando não apenas a favor da arte, mas também auxiliando os atores e o processo de criação dos espetáculos.”

Já a Débora é mais extrovertida e mais emotiva. Ela foi a responsável pelas minhas lágrimas.

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Diante dos relatos dela, fui me emocionando e me identificando com os sentimentos que ela revelava em relação ao amor por aquilo que faz e às recompensas que julga receber numa troca bonita com a comunidade local e suas vivências culturais. Diferente da Gisele, Débora nasceu em Mariana e é moradora do distrito de Passagem. Ela já atuava na vida social e cultural do distrito porque sua família está estreitamente ligada à banda centenária de Passagem, a São Sebastião. Ela faz parte, inclusive, da diretoria da banda civil.

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Antes, Débora trabalhava como recepcionista em um hospital e foi parar no Osquindô depois de uma conversa, também em meados de 2010, com Jojoba e Toninho. “Eles falaram que estavam à procura de alguém para trabalhar na parte burocrática, administrativa e jurídica, mas que também pudesse ajudar na parte de produção. E aí, depois dessa conversa informal que a gente teve durante um encontro em Mariana, eu fui. Eles queriam alguém que fizesse parte daqui, de Passagem de Mariana, e eu já participava desde cedo das atividades sociais, sempre estive envolvida nas instituições”, relembra.

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Débora fala com emoção das memórias e das experiências que o Osquindô lhe proporcionou. Sua voz fica embargada ao falar sobre os impactos do grupo no dia a dia das crianças e nos jovens da comunidade. Ela se sente tocada pelas boas lembranças que carrega, pela  gratidão que sente por poder participar das atividades da equipe e pelo reconhecimento que o Osquindô conquistou junto à comunidade ao longo de todos esses anos de atuação no distrito de Passagem de Mariana.

 

“Hoje temos o trabalho, a profissionalização nessa área e a sustentabilidade por meio desse trabalho. Mas para além disso – falo por mim, pela minha paixão pelo que faço hoje – está a essência dessa profissão que exerço. Consigo contribuir para a transformação da comunidade onde estou inserida. Isso, para mim, é o mais importante”, enfatiza, cada vez mais encantada com o poder de transformação pela arte. “Quando estamos escrevendo um projeto e temos aquela vontade de vê-lo aprovado, e quando vem a celebração, é gratificante. Cara, por meio do meu trabalho e da minha profissão, recebo recompensas, mas o mais significativo é poder transformar uma comunidade, ver uma criança crescer e, hoje, ela já trabalhar conosco...  É gratificante se deparar com essas mudanças.”

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Ilustração: Maria Cecília Quadros

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Cópia de Giselle e Débora.png
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